segunda-feira, 27 de maio de 2013

Não quero que sintam pena', diz internada desde incêndio na Kiss

Quatro meses após a tragédia, quatro jovens seguem em hospitais do RS.
Cristina Peiter, de 24 anos, tem previsão de alta para esta semana. 

Cristina ao lado dos irmãos Mateus (direita) e Guilherme (esquerda)  (Foto: Arquivo Pessoal)
Quatro meses após a tragédia que matou 242 pessoas em Santa Maria, quatro jovens ainda lutam para se recuperar dos ferimentos do incêndio. Cristina Peiter, Marcos Belinazzo Tomazetti, Renata Pase Ravanello e Ritchieli Pedroso Lucas continuam internados no Hospital de Clínicas e no Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. Eles sofreram queimaduras graves e desenvolveram problemas respiratórios. Segundo familiares, os quadros dos jovens se mantêm estáveis.
Com previsão de alta para esta semana, a estudante Cristina, 24 anos, faz da paciência sua maior aliada. Na última semana, chegou a pensar que teria alta na sexta-feira (24), mas um novo procedimento precisou ser feito, adiando a volta para casa. Ela teve 22% do corpo queimado, entre braços, ombros e costas. “Estou bem. Com um pouco de medo, insegura, mas tranquila”, contou ao G1 por telefone.
Com a voz fraca e bastante emocionada, a estudante de engenharia ambiental da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) falou do período de recuperação. “A gente acaba aceitando. Sei que fiquei aqui para ficar bem, para melhorar de verdade. Era muito mais difícil na CTI. O tempo não passava. Agora, no quarto, tenho várias atividades, fisioterapia, então o tempo passa mais rápido”, disse. No período em que ficou internada, os primeiros 18 dias foram em coma induzido.
No último semestre do curso, a jovem não voltará a morar em Santa Maria. Natural de Casca, na Região Noroeste, a estudante fazia o trabalho de conclusão de curso e agora conta com o auxílio de uma amiga e de professores para escrevê-lo. Antes da tragédia, a previsão era de se formar no fim do agosto.
“Já fiz toda a pesquisa, só falta escrever. Muitas pessoas se ofereceram para ajudar, me surpreendeu como as pessoas estão sendo solidárias. Quero me formar neste semestre”, revelou. O pai, Astor Peiter, é proprietário de uma empresa de engenharia ambiental em sua cidade natal. Assim que a filha se sentir melhor, vai providenciar um estágio para ela.Cristina Peiter recebeu alta nesta sexta-feira (24) (Foto: Arquivo Pessoal)
No dia da tragédia, Cristina foi para a festa na Kiss de última hora. Ela estudava na cidade e dividia apartamento com o irmão. Já na casa noturna, encontraram um grupo de amigos. Um deles morreu durante o tumulto. “Vi a saída, mas não consegui chegar. Desmaiei lá dentro. Lembro que acordei fora e comecei a gritar, estava desesperada de dor. Me colocaram em um carro, acho que era da Brigada Militar, e me levaram para o hospital. Fui desacordada", recorda.
Quando a jovem acordou, já estava no hospital. "Estava uma confusão, ninguém sabia o que fazer. Pedi para uma pessoa ajudar a pegar meu celular e liguei para o meu irmão. Quando ele chegou, conseguiu ajuda para mim. Depois disso, só acordei na CTI de Porto Alegre”, lembra
Com cicatrizes e marcas no corpo, a vaidade é um dos temas mais sensíveis para a jovem. “Tenho medo que as pessoas me vejam com pena. Mas não quero que sintam pena de mim, estou bem. O que vai ficar são as marcas, isso não tem como não ficar”, emociona-se. “O que eu mais quero é voltar para casa, ficar com meus pais, aproveitar todo mundo. Tudo vai mudar. São provas que a gente precisa passar”, completa.
Visitas até de desconhecidos e apoio dos outros feridos
Além dos cuidados médicos, o carinho foi um dos fatores que ajudaram Cristina a se recuperar. Amigos da faculdade e familiares se deslocaram quilômetros para dar apoio. “Eu recebi visita até de quem não conhecia”, lembra. Foi o caso do humorista Jair Kobe, conhecido no estado pelo personagem Guri de Uruguaiana, que esteve no hospital no aniversário de Cristina. “Apesar de tudo, foi o melhor aniversário que já passei. Estava com toda a minha família, recebi muito carinho. As enfermeiras trouxeram balões e os médicos, presentes”.
Lado a lado, os quartos dela, de Renata e de Marcos, outros dois jovens que seguem internados, têm movimentação constante. Segundo Cristina, Marcos a visita de vez em quando. “Eu conheço os dois. A gente conversa mais sobre a recuperação. Até porque eu não sei se eles têm problema em falar sobre o que aconteceu”, pontua.
Segundo Jonas Ravanello, irmão de Renata, a evolução ocorre a cada novo dia. “Ela se queimou bastante e machucou o pé. Na cicatrização, pegou uma bactéria, então agora está se recuperando”, explica o auxiliar contábil. Com apoio não apenas médico, mas também psiquiátrico, Jonas conta que a irmã divide o dia entre livros, televisão e o computador para passar o tempo.
Feridos ainda podem apresentar sequelas futuras
O cirurgião torácico Marcelo Pasa, do Hospital Mãe de Deus, acompanhou alguns dos feridos que receberam atendimento em Porto Alegre depois do incêndio. Ele afirma que alguns pacientes podem ter complicações futuras.
“Os pacientes que atendemos aqui no hospital tiveram uma exposição muito grande à fumaça toxica, com quantidade grande de resíduos dentro do pulmão. Eles receberam o tratamento e desenvolveram infecções. A longo prazo, o que podemos afirmar é que eles poderão desenvolver fibrose pulmonar", explica ao G1. A fibrose é um espessamento dos brônquis, explica o médico.
Atualmente, somente Richieli está internada no Mãe de Deus. A jovem perdeu a irmã Drieli na tragédia. Em recuperação, está com o quadro estável.
Pasa explica que por ter sido um evento inédito, ainda é difícil de prever as consquências. “Está sendo uma experiência nova. A intensidade que foi, a exposição que eles sofreram, não há  parâmetros comparáveis. Pode levar anos para sabermos o resultado”, diz.

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